"Não é preciso ser ingênuo e enxergar a realidade"
Richard Caifal, diretor executivo do Centro de Políticas Indígenas Rakizuam, nasceu na redução Ricardo Rayin, em Freire, região de La Araucanía. Este advogado entendeu, logo após se formar, que os problemas das comunidades mapuches tinham um fundo político. Hoje, este ex-candidato à Convenção Constitucional faz uma análise drástica de instâncias anteriores de diálogo e seus resultados.
O nome de Richard Caifal Piutrín — líder mapuche, ex-governador da Província de Cautín e diretor da Enama — recentemente foi proposto para integrar a Secretaria Técnica de Participação e Consulta Indígena. No entanto, seu nome gerou rejeição por parte dos constituintes de assentos reservados na Convenção, demonstrando a divisão de posturas dentro do mundo político mapuche.
Alguns anos atrás, Caifal formou a Aliança Territorial Mapuche, de base mais dialogante que a CAM, que surge para trabalhar em demandas políticas e em políticas públicas. Era o ano 2000, e uma série de projetos eram planejados em terras indígenas, e o desconhecimento da legislação implicou na falta de compensação adequada. "Existia uma legislação precária que não protegia o mundo mapuche, exceto a lei indígena, mas sem abordar questões socioambientais, até a entrada em vigor da Convenção 169." Ele viveu situações de intimidação, por isso se afastou da temática indígena por um tempo, mas a vida disse outra coisa.
Ele se encontra com a Corporação Enama, onde se vincula a aspectos legislativos, participando de mesas de diálogo e diversas instâncias de incidência, como o decreto de consulta indígena, a mesa de diálogo do Bispo Vargas, realizando propostas ao governo, participou da redação da Lei de Assentos Reservados e foi assessor jurídico do processo constituinte em 2017. "Com a corporação Enama, o trabalho tem sido mais frutífero", explica este militante da Evopoli e ex-governador da Província de Cautín, onde testemunhou a situação das vítimas da violência rural na região. "Há gente que confunde e suja tudo o que pode ser uma legítima reivindicação."
Como você caracteriza o conflito?
A violência, de um modo ou outro, está presente desde que o Estado irrompeu na região. Nossa educação não ensina o que ocorreu na região de La Araucanía, por isso é uma dívida política, não apenas de reivindicação, há uma negação do que aconteceu. Não nos ensinaram que houve uma guerra civil em La Araucanía até 1883, embora tenha sido há mais de 100 anos, a memória coletiva permanece. Meu avô foi despojado de sua terra, que foi entregue a colonos, deixando minha família agrupada com outras em uma redução. Não li isso em um livro, meu pai me contou. Isso significou um processo de fome, porque passamos de uma lógica individual para uma lógica comunitária, mas pela força, não por uma visão própria ou cosmovisão mapuche. Houve muitos episódios de violência, e isso se manteve no último século. A violência está instalada há muito tempo. Agora tem repercussão porque temos meios de comunicação que a tornam visível.
Neste contexto, desenham-se distintos cenários, dentro dos quais há uma postura muito radical refletida pelas organizações Weichan Aucamapu, a Territorial Lafkenche e a própria Coordenadora Arauco Malleco, que passaram de um discurso autonomista para um independentista.
A segunda postura são os convencionais constituintes que têm uma posição autonomista por meio de uma via institucional e democrática, com posturas bastante mais à esquerda e rupturistas, mas há respeito pelas normas democráticas de um Estado de Direito.
E estamos nós, por meio da Enama e da corporação Rakizuam, que acreditamos nas liberdades e não na onipresença do Estado. Somos outro setor do mundo indígena que acredita na institucionalidade, nas liberdades, no Estado de Direito, que acredita em empurrar as reivindicações longe do uso da violência e das armas, porque o único que isso gerou foi destruição. Há pessoas falecidas, então não podemos avalizar que matem alguém por não compartilhar o que um grupo quer impor. Marcamos nosso atuar dentro da lógica institucional, mas nos diferenciando dos convencionais que são de tendência mais à esquerda e acreditam na onipresença do Estado. Não acreditamos nisso porque conhecemos a realidade, onde governos com forte presença estatal tornam toda ação ou gestão lenta, burocrática e ineficiente.
O Chile vive um momento particular em que se redige uma nova constituição e assumirá um novo presidente com importantes propostas de mudança. Neste contexto, fala-se muito em diálogo, mas é possível estabelecê-lo realmente?
Primeiro, diálogo houve, mas os pactos não cumpridos também constituem uma forma de violência, como disse o Papa Francisco, e o exemplo típico é o Acordo de Imperial, celebrado em 1989, onde o candidato presidencial da época, Patricio Aylwin, comprometeu-se a reconhecer constitucionalmente os povos originários. Posteriormente, o presidente Eduardo Frei também gerou uma instância chamada "diálogos comunais", onde participaram 658 comunidades e mais de 3.500 pessoas. Portanto, diálogo havia, mas sem reconhecimento nem exercício de direitos.
O relatório entregue pela Comissão Verdade Histórica e Novo Trato ao então presidente da República, Ricardo Lagos, em 28 de outubro de 2003, continha muitas ações a desenvolver, e a mais importante, o reconhecimento, mas não foi cumprida. Bachelet também convocou um debate nacional dos povos indígenas, gerou-se a proposta com mais de cinco mil mapuches de todos os territórios, o reconhecimento também estava entre as iniciativas. Depois chega Piñera, gera-se a instância de diálogo, depois com Bachelet II forma-se a mesa do Bispo Vargas, chegamos a 2021 e o reconhecimento não foi cumprido. Então, diálogo existiu, mas a confiança se frustra e o desejo de avançar com tantas promessas não cumpridas, e é aí que os grupos extremos aparecem a partir de 1997 e o conflito se agudiza.
Qual é o reconhecimento que se busca?
É preciso considerar que esse reconhecimento evoluiu, porque passamos da década de 90, quando se pretendia um reconhecimento multicultural, que reconhecesse que os mapuches existimos e que não somos parte do museu, mas do presente, a língua existe, o território existe, a cosmovisão também, as tradições, então era o básico que se pedia. Além de reparar as injustiças cometidas no território. Não houve vontade política para isso, e claro que há frustração e raiva.
A legislação internacional, enquanto isso, avançava, e em 2007 surge a Carta das Nações Unidas para os Povos Indígenas, que estabelece o direito à autodeterminação, ao autogoverno, à autonomia e ao reconhecimento, e o Chile adere a essas declarações.
Passamos então do desejo de um reconhecimento cultural para um reconhecimento de um Estado plurinacional, e é uma lógica que diversas constituições latino-americanas vêm estabelecendo. Há exemplos de sobra, começando por Bolívia, Equador e Colômbia, onde se estabeleceram territórios autônomos, com mais ou menos sucesso, mas se estabeleceram. Há autonomias no Panamá, na Nova Zelândia, na Espanha, a experiência internacional diz que é possível, mas requer vontade política.
Uma nova constituição pode acabar com o conflito?
Hoje, na Convenção Constitucional, mais de 70% dos integrantes são de esquerda, a direita não tem nenhuma relevância. Por outro lado, é eleito presidente Gabriel Boric, que quer desenvolver um programa transformador, mas no parlamento não há votos, porque está 50-50. Mas, eventualmente, Boric não precisa do parlamento, na verdade, poderia dissolvê-lo se a Convenção o apoiasse, porque poderia estabelecer um Congresso unicameral, poderia estabelecer uma forma de governo diferente, e para isso não precisa do parlamento, apenas da Convenção.
A sinergia que pode ocorrer ali pode transformar o Chile em um país diferente, com uma lógica política distinta, com um desenho político-administrativo diferente do que conhecemos. Quando se fala em autonomia, fala-se em mudar a forma de governo local, na região de La Araucanía temos 32 comunas, das quais algumas podem desaparecer se forem estabelecidas propostas para territórios autônomos, e os deputados eleitos podem ser irrelevantes nesse novo desenho.
Na Convenção, também se está propondo consagrar o direito de recuperar terras, o que pode mudar muito o cenário regional. O que se afirma é: "todos os tratados celebrados com o Chile ou com seus antecessores devem ser reconhecidos, aplicados e observados", então fala-se em reviver os tratados celebrados com o Chile e com a Espanha, que estabelecem o limite territorial no rio Biobío. Portanto, se essa proposta se concretizar, estabeleceria um território autônomo do Biobío para o sul.
Você não vê isso como algo positivo, pensando na busca de reconhecimento e autonomia do mundo mapuche em toda sua diversidade?
Sendo honesto, é fantástico, é tudo o que se almejou por séculos. Na verdade, deveríamos ficar muito tranquilos em nossas casas esperando todo esse amplo espectro de promessas que podem ser cumpridas não em cinco anos, mas em seis meses. Mas qual seria nossa lógica? Apesar de ser um avanço significativo, vemos como se o Chile fosse um grande navio onde, por muito tempo, os povos indígenas estiveram relegados às caldeiras, invisíveis, e hoje passam das caldeiras para comandar este navio, no posto de comando ao lado do capitão. E se o navio afundar, afundamos todos, os que estão nas caldeiras e os que estão no convés.
Propor iniciativas tão radicais pode efetivamente levar o Chile a um cenário catastrófico economicamente. Porque quando se fala apenas no direito de recuperar terras, mas em um sentido holístico, envolvem-se os recursos do subsolo, hídricos, direitos de água, espaços marinhos e a grande mineração do norte. Lembremos que existe um artigo transitório do documento base da Convenção que estabelece, em dois anos, pôr fim às concessões minerais, para satisfazer a demanda territorial e gerar uma comissão especial para resolver o tema da demanda territorial.
Passa-se de uma situação de desenvolvimento econômico para uma onde se consagram direitos cósmicos, mas com uma necessidade brutal de satisfazer necessidades básicas.
Como você vê o setor florestal nessas mudanças?
As empresas florestais são um ator relevante, mas as iniciativas discutidas na Convenção podem deixar o setor florestal no chão, simples assim. O simples fato de consagrar o direito de recuperar terras deixa as florestais fora de qualquer possibilidade de influência econômica, porque são terrenos que seriam expropriados ou nacionalizados, sem capacidade de decisão.
Vejo o cenário complexo, não apenas para o setor florestal, mas para o investimento pesqueiro, o investimento minerador, etc., porque outro dos direitos que se pretende incorporar na Constituição é que toda pessoa, grupo, comunidade, nação ou povo possa, em virtude do direito da natureza, agir legalmente e frear ou impedir o desenvolvimento de um investimento. Fala-se de uma consulta vinculante obrigatória, ou seja, não apenas deve superar esse direito, mas também um processo de consulta vinculante. Pretende-se modificar todo o sistema de avaliação ambiental, e diante disso, o investimento não se fará presente no país.
Há uma espécie de ânimo revanchista, não apenas pelo século de negação, mas por três décadas de pactos não cumpridos. Pode haver vontade de diálogo, mas antes deve haver confiança, e esta não existe.
Conheço a experiência, a intenção e boa vontade do Centro Nansen, mas é um processo de longo prazo, de pelo menos dez anos trabalhando uma metodologia e socializando-a, mas as mudanças podem ocorrer em seis meses, é o cenário pensado e sonhado por muitos. Estamos falando de política, onde primeiro se tem o poder e depois se conversa.
Existe o cenário virtuoso do diálogo, mas não é preciso ser ingênuo e enxergar a realidade. Hoje há uma Convenção Constitucional que tem todos os poderes para mudar todo o sistema, e há um presidente eleito que apoia a Convenção. Ambos têm todas as faculdades, atribuições e o poder que se possa imaginar para desenhar um novo Chile.