Pesquisadores da Unesco demonstram que florestas e plantações florestais frearam a desertificação no Chile
Em 2014, o diretor da Cátedra Unesco em Hidrologia de Superfície da Universidade de Talca, Roberto Pizarro, percebeu que algo não batia em suas medições. Ele estudava o comportamento de rios e lençóis freáticos da zona central do país, mas notou que em todas as áreas altas e com presença de florestas, inclusive de monocultivos florestais como pinheiro ou eucalipto, a presença da água praticamente não era afetada. “Apesar da seca, as tendências até eram positivas nessas zonas”, lembra Pizarro.
A descoberta o intrigou tanto que ele decidiu realizar uma extensa pesquisa intitulada *O efeito em larga escala da cobertura florestal nas variações de longo prazo da vazão nas bacias mediterrâneas do Chile central*. Participaram 10 pesquisadores da Unesco, Chile e Estados Unidos, que estudaram o comportamento das 42 principais bacias do país de 1994 a 2015 com dados da Direção Geral de Águas (DGA), entre as regiões de O’Higgins e Los Ríos. Os pesquisadores concluíram que nas áreas onde há presença de florestas, as bacias não foram majoritariamente afetadas pela falta de água.
O estudo foi publicado apenas no mês passado na prestigiada revista científica *Sustainability*. O relatório explica como as massas florestais ajudam a captar a água das chuvas para nutrir os lençóis freáticos e os rios, evitando sua perda ou a formação de aluviões. Isso, ao contrário do que ocorre em zonas desérticas e sem vegetação significativa.
“Eu não estou a favor nem contra as empresas florestais, mas acredito que é preciso falar com evidências científicas. E o que demonstramos é que nas florestas da zona central do país, tanto as nativas quanto as plantações florestais, ocorre uma melhor captação da água que cai no inverno. Ou seja, os pinheiros não bebem a água dos lençóis freáticos, mas sim os enchem”, afirma Pizarro.
E ele aprofunda: “No Chile, temos um clima mediterrâneo, com estações úmidas e secas muito marcadas. E no inverno, a necessidade hídrica de uma árvore é muito menor que no verão, então a água que elas absorvem através de seus microporos vai toda para os lençóis freáticos e cursos d’água”.
O estudo baseou-se na hipótese de que a maior parte da água que cai no solo em bacias florestais tende a ter um fluxo lento pela superfície, devido aos obstáculos físicos (matéria orgânica) que podem reduzir o componente de escoamento superficial.
Pablo García-Chevesich é acadêmico do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental na Escola de Minas do Colorado (EUA) e membro do Programa Hidrológico Intergovernamental da Unesco. García-Chevesich também participou do estudo: “No caso particular do Chile central, onde as chuvas se concentram principalmente nos meses de inverno, a água consumida pelas massas florestais vem principalmente da umidade do solo e não dos aquíferos ou rios, como ocorre na maioria dos países e como muitos assumiam que acontecia no Chile”.
O hidrólogo explica que “este novo estudo confirma que os efeitos em larga escala das massas florestais sobre os recursos hídricos são uma equação muito mais complexa do que se pensava e, geralmente, as reduções nos níveis dos aquíferos podem ser atribuídas principalmente ao aumento do consumo por outros setores e às mudanças climáticas”. O pesquisador alerta que, apesar da importante descoberta, cada caso deve ser estudado separadamente.
Com os antecedentes sobre a mesa, a pergunta é óbvia: Uma opção para combater a seca no país poderia ser reflorestar as zonas desérticas? García-Chevesich acredita que sim. “Exatamente. Temos a sorte de ter um clima muito incomum, onde as precipitações se concentram no inverno, então uma forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas é por meio do florestamento com espécies nativas em zonas altas, longe dos lençóis freáticos e dos cursos d’água, para maximizar a recarga dos aquíferos e a produção de água nas bacias”.
O cientista explica que em zonas como a China “desde o final da década passada, foram designados 60 mil soldados exclusivamente para plantar árvores, reflorestando em 2021 3,6 milhões de hectares”. Na África, relata, “a Grande Muralha Verde é um cinturão de terra reflorestada de 7.775 km de comprimento e 15 km de largura, do Senegal ao Djibuti”. A Índia, por sua vez, é “impressionante porque em 2017 plantaram 66 milhões de árvores em apenas 12 horas”. Esses exemplos, diz ele, mostram que o plantio de árvores já é uma medida utilizada para melhorar a captação de águas pluviais.
“É indispensável que se aumente significativamente o orçamento atual destinado ao florestamento e que isso seja feito pelo método de bosquetes (Miyawaki), combinado com o uso de hidrogéis, para maximizar o crescimento e a sobrevivência, minimizando também custos e consumo de água para irrigação”, afirma García-Chevesich.
Com os antecedentes expostos, Roberto Pizarro pede para repensar as políticas públicas em matéria hídrica. “Devemos fazer projeções baseadas em estudos e dados reais, não em ideologias. Muita gente acredita que os pinheiros erodem e secam as zonas onde são plantados, mas ficou demonstrado que não é assim”, conclui Pizarro.
Fonte:latercera.com