“A Comissão para a Paz e o Entendimento dará uma recomendação, mas onde isso se resolve é no Parlamento, após consulta indígena”
Em 12 de julho, o Diário Oficial publicou o Decreto Nº 14 do Ministério da Secretaria-Geral da Presidência, que cria a Comissão para a Paz e o Entendimento. Seu propósito será assessorar o Presidente da República para construir e consolidar uma solução de longo prazo para o conflito territorial nas regiões de Biobío, La Araucanía, Los Ríos e Los Lagos, coletando informações e promovendo um processo de diálogo entre os principais atores desses territórios.
Esta é a quarta comissão formada para enfrentar a demanda histórica por terras. Antes, houve a Comissão de Verdade Histórica e Novo Tratamento durante o governo de Ricardo Lagos, depois a liderada por monsenhor Héctor Vargas na segunda administração de Michelle Bachelet, que gerou recomendações, e a do Acordo Nacional para o Desenvolvimento e a Paz em La Araucanía, liderada pelo ex-ministro Alfredo Moreno no governo de Sebastián Piñera.
A respeito disso, Richard Caifal, advogado da Universidade Mayor de Temuco, ex-governador da Província de Cautín e atual diretor executivo da Fundação Rakizuam, centro de estudos indígenas, explicou o cenário que pode surgir, destacando também as origens dessa questão.
Ele, que também fez parte da comissão presidencial liderada pelo bispo Héctor Vargas — que teve como objetivo desenvolver um roteiro para abordar e solucionar as principais problemáticas da região, incorporando a visão de todos os setores envolvidos —, lembrou que isso tem suas raízes no ano de 1860, com o que se conhece como Pacificação da Araucanía. “Basicamente, há uma ocupação do território, e antes disso, os historiadores registram o Tratado de Tapihue de 1825, que estabelecia a fronteira no rio Biobío. Quando ocorre a ocupação em 1860, há um confronto militar, e o Estado passa a entregar terras a colonos estrangeiros, a nacionais e também os conhecidos títulos de mercê a um grupo de pessoas lideradas por um lonco. Esse processo termina em 1930.”
Depois, surgiram diversas legislações, e em 1980, o regime militar decretou a Lei Nº 2.568, que concedeu, em caráter individual, terras às pessoas que cultivavam, trabalhavam e viviam nessas áreas. Posteriormente, em 1993, na Lei Indígena, criou-se um artigo muito particular, que possibilita ou habilita a compra de terras, feita em comunidade — situação contrária à realidade, pois existiam títulos individuais.
Sobre o cenário que surge com esta comissão, Caifal disse que, em certo ponto, gera-se um problema enorme, porque propõe-se cadastrar as terras mapuches. “Primeiro, excluímos os outros nove povos, então este grupo de trabalho é mais restrito, diferentemente dos anteriores, o que significa que o problema permanece latente, porque, ao falar de terras ancestrais, implica-se que são as do rio Biobío para o sul. O Tratado de Tapihue, que era comercial e militar, dizia que o território mapuche começa no rio para o sul, ou seja, falava-se de terras com uso imemorial. O mesmo propôs a ex-Convenção Constitucional ao tratar das terras ancestrais, e a Machi Linconao foi além, reivindicando também a Região Metropolitana.”
Ele acrescentou queum estudo entregue em 21 de junho em La Moneda propõe, por parte das universidades, a criação de um Tribunal de Títulos Nativos, algo muito similar ao que foi feito na Nova Zelândia, chamado Tribunal de Waitangi (de 1975), para responder às reivindicações. “Mas aqui é diferente, porque também é preciso registrar que a maioria do povo mapuche não reside na Araucanía, e sim na Região Metropolitana. Então, temos duas situações que não são similares às da Nova Zelândia e precisamos assumir a responsabilidade. Por isso, defendemos que é necessário modificar a lei indígena, porque a terra não pode ser a única resposta. Há milhares de famílias que talvez prefiram investir esse mesmo dinheiro em educação, formação, empreendedorismo, moradia, apartamento, etc. Além disso, porque a terra é finita.”
O advogado também destacou queé preciso dizer: o que se tenta fazer é uma espécie de reciclagem da proposta da Convenção Constitucional, ‘branqueá-la’, de certa forma. “Portanto, vai-se falar de terras, eventualmente de participação política. Há uma frase que fala de justiça, mas a adaptaram. Porém, é preciso lembrar que essa é uma discussão rejeitada pela cidadania. Mas, além da minha visão ou percepção, esse não é o único ponto sensível.”
Outro ponto que ele ressaltou é queo terrorismo é um grande problema. “Pode ser que a legislação não seja a ideal, mas isso é outra questão. Aqui há terrorismo, e isso precisa ser dito — é um dos fatores que complicará esta comissão. Napoleão tinha uma frase: ‘Se não quer resolver algo, crie uma comissão’. A Comissão, no final, fará uma recomendação, dará uma orientação, uma sugestão, mas onde isso se resolve é no Parlamento, após consulta indígena. Portanto, esse tema não será resolvido neste governo, porque a Lei Indígena pode ser modificada, mas é preciso fazer a consulta e depois levá-la ao Parlamento. Ali, podem passar praticamente cinco anos buscando uma solução.”