Sponsors

Banner Ponse H
Um diálogo de boa fé para a prevenção de incêndios florestais

Um diálogo de boa fé para a prevenção de incêndios florestais

Por Julio Torres Cuadros
Engenheiro Florestal. Integrante do Futuro Madera, Secretário executivo do Colégio de Engenheiros Florestais do Chile.

O professor de ética holandês Hanno Sauer argumenta que, para estabelecer um diálogo construtivo entre duas pessoas com posições inicialmente opostas, cada uma delas deve descrever o argumento contrário ao seu de tal forma que quem defende essa posição fique satisfeito com a descrição. Este exercício obriga a evitar reducionismos, distorções e caricaturas ao confrontar uma posição que não se compartilha. A abordagem não é nova, já Isaiah Berlin, muitos anos antes, defendia a necessidade de sempre fazer a melhor interpretação do argumento contrário para um diálogo de boa fé.

Aplicando essa recomendação ao projeto de lei de prevenção de incêndios florestais apresentado há um ano pelo Governo e que atualmente está em discussão no Senado, a melhor interpretação que podemos fazer do texto é que os autores estabeleceram como fator prioritário, para reduzir os impactos dos incêndios florestais, a incorporação de novos instrumentos de planejamento de caráter obrigatório para os proprietários de áreas com cobertura vegetal, sejam elas de floresta nativa ou plantações florestais, especialmente aquelas localizadas em zonas de interface urbano-rural.

As ações preventivas sobre o combustível vegetal, de acordo com os autores do projeto, seriam fundamentais em uma estratégia de prevenção e, portanto, o tema prioritário (e exclusivo) a ser abordado.

O ministro da Agricultura, por outro lado, ignorando a abordagem recomendada por Sauer e Berlin, em suas intervenções públicas faz uma descrição reducionista dos argumentos contrários à sua posição, desconsiderando-os e afirmando que as críticas ao projeto de lei vêm de atores com posições populistas, como buscar indenizações econômicas pela intervenção em seus terrenos (incluindo possíveis colheitas das plantações), e que as ações de prevenção implementadas a custo dos proprietários devem ser entendidas como medidas patrióticas ou de corresponsabilidade.

A autoridade parece imaginar os proprietários de plantações como pessoas egoístas, indolentes ou mesquinhas, desprovidas do patriotismo necessário para assumir – e custear – a implementação de medidas silviculturais de prevenção que considera necessárias e urgentes.

O argumento do Governo e do ministro que o defende baseia-se em um apelo à necessidade, mas ignora argumentos baseados na justiça e na eficácia, que geram questionamentos à posição governamental. De justiça, porque os sujeitos aos quais se dirigem as novas exigências do projeto de lei não são os causadores dos incêndios; portanto, são exigências que recaem sobre eles por ações de terceiros que, não se deve esquecer, constituem crimes. Crimes que, por mandato constitucional, a autoridade deveria prevenir ou punir.

Os incêndios no Chile não são atos da natureza, há pessoas por trás de sua origem, e essas pessoas não são o alvo desta lei. Por isso, a abordagem do projeto assemelha-se muito ao que ocorreu com a farmácia que foi obrigada a fechar por determinação da autoridade em resposta à ação de terceiros que realizavam roubos em massa e de forma reiterada. Impõem-se exigências à vítima, sem uma ação complementar e proporcional do Estado contra quem comete o crime.

Essa abordagem, não adianta enganar-se, não reduz o crime, neste caso, a ocorrência de incêndios, pela simples razão de que não se preocupa com o fenômeno criminoso associado a essa ocorrência. Seja fechar a farmácia ou eliminar a vegetação da propriedade do dono, em ambos os casos, a responsabilidade e o custo são atribuídos a quem é afetado.

Mas a medida, além de injusta, ameaça ser ineficaz, pois a eficácia da lei dependerá da capacidade de garantir que os proprietários não apenas apresentem à autoridade os planos preventivos, mas também os executem. Esses planos, elaborados por profissionais que deverão ser contratados e remunerados pelos proprietários, devem ser apresentados mesmo que a propriedade e a vegetação existente não tenham uso produtivo.

Qual é a expectativa de cumprimento desses planos de prevenção por parte de proprietários que não têm apoio financeiro e muitas vezes possuem terrenos com posse não regularizada, sucessões em litígio ou propriedades em interface com habitações resultantes de ocupações ou usurpações? O projeto de lei aborda essas situações? Infelizmente, não as aborda.

Isso permite projetar altas taxas de descumprimento das novas exigências, com a consequente aplicação de multas que só tornarão mais onerosa para os proprietários a existência de vegetação nas propriedades da interface. Será um incentivo para eliminar definitivamente a vegetação e dar um uso imobiliário ao terreno, seja de forma formal, se permitido pelo plano diretor, ou informal, se não permitido, por meio de ocupações ilegais?

Mas a ineficácia não para aí, também é preciso considerar que o Serviço Nacional Florestal será obrigado a destinar um contingente de funcionários e recursos para revisar, autorizar e fiscalizar planos de prevenção (quando existirem), ou fiscalizar quem não os apresentar, em vez de direcionar esses funcionários e recursos para ações de prevenção da ocorrência de incêndios.

Em conclusão, as obrigações impostas aos proprietários no projeto de lei não são justas nem potencialmente eficazes, e não se trata de falta de patriotismo ou empatia por parte dos proprietários. Resta apenas esperar que a nova autoridade responsável pela Corporação Nacional Florestal tenha o apoio necessário para incorporar modificações substanciais a um projeto que, em sua versão atual, baseia-se em um diagnóstico pobre do que é necessário para enfrentar o flagelo dos incêndios florestais, e que essas modificações surjam de um diálogo de boa fé em que a posição contrária não seja caricaturada.

Publicação anteriorGoverno insiste que tem assumido a violência rural
Próxima publicaçãoCMPC cresce no Brasil com acordo de compra por US$ 120 milhões
Comentarios (0)
Ainda não há comentários.
Deixe um comentário
captcha