Comissários se distanciam de proposta que afirma que demanda mapuche é de 385.860 hectares com vocação agrícola
Enquanto isso, parlamentares e vozes da Região de La Araucanía dizem que as ideias precisam ter um certo senso de realidade e que a entrega de terras não é a única forma de restituição para as comunidades indígenas.
A proposta dos comissários Adolfo Millabur e Gloria Callupe, que enfatiza que a demanda mapuche institucionalizada é de 385.860 hectares de vocação agrícola, não encontrou apoio em vozes ligadas à discussão por reivindicações territoriais.
A ideia dos comissários surge no contexto da discussão que está ocorrendo na Comissão de Paz e Entendimento, lançada pelo Presidente Gabriel Boric e que tem prazo de funcionamento até o próximo 31 de janeiro.
Entre os comissários, a ideia não gera muito consenso. Na segunda-feira, o ex-ministro Alfredo Moreno disse que na comissão todas as propostas são estudadas, mas o relevante é que seja uma solução equilibrada.
Carmen Gloria Aravena (senadora do P. Republicano) afirmou que “esta é apenas uma proposta de comissários. Respeito a posição, mas claramente alguns pontos são pouco realistas e é necessário que esta solução primeiro conte com a aprovação de todos os comissários e depois exista um compromisso definitivo de mudança da Lei Indígena, que implique que este processo tenha um encerramento, caso contrário, é muito difícil sustentar a proposta”.
Seu par Sebastián Naveillán acrescentou que “(A proposta de Millabur) faz parte da complexidade do tema e, obviamente, cada comissário responde a um setor. Isso é o que Millabur pensa, mas não porque ele proponha isso significa que será incluído no relatório final. Todos os textos estão sobre a mesa e estão sendo analisados um a um. Estamos tendo conversas e negociações para elaborar a proposta final com reuniões presenciais em La Moneda”.
Outros comissários consultados pelo “El Mercurio” optaram por não se pronunciar sobre a proposta em meio ao debate da comissão.
A comissão criada pelo Presidente Boric em sua primeira visita a La Araucanía tem como objetivo estabelecer uma solução para o problema da restituição de terras. É dirigida pelo militante da Frente Amplio, Víctor Ramos, e depende da Secretaria Geral da Presidência.
Entre especialistas e vozes que trabalham em temas ligados ao conflito na macrorregião sul também não há consenso em relação à proposta Millabur-Callupe.
Luis Mayol, ex-intendente de La Araucanía, disse que “há membros dessa comissão que nunca tiveram nem terão vontade ou intenção de resolver ou buscar uma solução para uma situação. O chamado 'problema mapuche', para a maioria da população, tem se desvanecido e não perdem a oportunidade de tentar reavivá-lo. A solução da chamada 'dívida histórica', se existir, não é necessariamente compensada com terras, que hoje são ocupadas e trabalhadas por outras pessoas como legítimos proprietários”, afirmou Mayol.
A ex-delegada provincial Andrea Parra indica que “devolver terras não pode ser o único mecanismo compensatório, porque existem diferentes realidades e aspirações. Do proposto por Millabur e Callupe, me parece fundamental garantir a participação real dos povos originários na vida política e social do país”. Parra acrescenta que é preciso ter clareza de que não se obterá tudo o que se aspira e que “hectares a mais ou a menos, o importante é definir um marco para a dívida e um prazo para encerrá-la”.
O deputado pelo distrito 23 (Região de La Araucanía), Miguel Mellado (RN), afirma que não têm confiança no que possa sair da Comissão Presidencial para a Paz e o Entendimento, porque as soluções são complexas de implementar e isso já foi visto ao longo da história. Mais ainda, diz ele, conhecendo as propostas que estão sobre a mesa, como a do ex-convencional Adolfo Millabur, que afirma que, no mínimo, a restituição de terras para as comunidades que institucionalizaram sua demanda, é calculada em 385.860 hectares “de vocação agrícola”.
“Déjà vu da proposta da Convenção”
“A verdade é que a proposta de Millabur e Callupe é um déjà vu da proposta constitucional fracassada. Também não há terras suficientes para devolver a todos que querem e, além disso, com a lei indígena mal construída (que seguem e seguem se criando comunidades, alguns com ascendência mapuche, sem viver em territórios, e se juntam 10 pessoas e formam uma comunidade e pedem terras com títulos de mercê, que crescem desmedidamente) será muito caro indenizar todos que pedirão terras”, afirma o parlamentar e garante que o proposto por Millabur é desproporcional.
“Lamento —acrescenta— que exista esta proposta, desmedida para o Chile de hoje, tendo 650.000 compatriotas mapuches vivendo em Santiago e apenas 340.000 em La Araucanía, por isso espero que seja rejeitada e que se comece a colocar as coisas em seu lugar no Chile de hoje, onde as comunidades mapuches são parte do Chile e impulsionam este país tanto quanto um descendente de alemães, italianos, espanhóis”.
As coincidências entre as propostas de Millabur e a primeira tentativa de novo texto constitucional
Parlamentares da região de La Araucanía concordam que a proposta apresentada por Millabur e Callupe se assemelha ao proposto na primeira Convenção Constitucional.
De fato, afirma o deputado Andrés Jouannet (Amarelos pelo Chile) que a introdução ao tema parece ser a mesma. Um dos pontos que é idêntico ao discutido na proposta constitucional é o da autonomia e justiça indígena.
“Propõe-se na proposta que as autoridades tradicionais exerçam justiça e isso também estava no documento constitucional que foi rejeitado. Em La Araucanía, em geral, em setores como Padre Las Casas, Lonquimay, Puerto Saavedra, lugares com alto percentual de população mapuche, a proposta constitucional teve mais de 75% de rejeição. Então, por que se coloca novamente sobre a mesa?”, afirma o deputado do distrito 23 da região de La Araucanía.
Outro tópico em comum é que na proposta de constituição foi apresentada a ideia de cadeiras reservadas e no proposto por Millabur, fala-se de “Mecanismos/reformas normativas que permitam a participação política do Povo Mapuche em nível regional/comunal”. No documento do ex-convencional afirma-se que: “devem ser contemplados mecanismos especiais de participação como cadeiras mapuches em Conselhos municipais, ou cadeiras Mapuches em Conselhos Regionais, ou cotas de participação mediante o mecanismo de formação de listas de candidatos exclusivamente mapuches”. O reconhecimento constitucional e o princípio de interculturalidade também são aspectos que são retomados e que hoje estão na mesa da Comissão Presidencial para a Paz e o Entendimento.
Fonte:El Mercurio