Sequenciam o genoma da araucária, oito vezes maior que o do ser humano
- A Universidade de Concepción e a CMPC lideraram a tarefa de obter o genoma deste monumento natural que coexistiu com os dinossauros. Esta informação servirá para ajudá-la a ser mais resistente a pragas ou enfrentar as mudanças climáticas. Um esforço conjunto entre a academia e a empresa privada.
Obter o genoma de referência de um gigante majestoso como a araucária é uma tarefa tão grandiosa quanto a árvore que cresce no sul. Isso porque seu genoma é oito vezes maior que o do ser humano.
Para consegui-lo, várias equipes de pesquisa não só usaram tecnologia de ponta, mas também tiveram que subir nessas árvores milenares para encontrar a melhor parte para extrair o material genético. E conseguiram.
Amanhã, em uma cerimônia em Yumbel, será divulgada a sequenciação genética desta árvore, considerado um marco científico nacional. O projeto, que começou em 2022, foi possível graças a uma aliança entre a Universidade de Concepción, a CMPC e a Universidade de Valência, na Espanha.
Este é um passo importante para ter um genoma de referência da espécie e, com isso, estudar sua genética, entender sua evolução e adaptação, mas também para encontrar formas de enfrentar suas pragas ou estabelecer as melhores estratégias para sua conservação.
“Os genomas de referência e os dados genômicos ajudam a melhorar as estratégias de monitoramento, conservação e restauração da biodiversidade, tornando esses projetos mais eficazes a longo prazo”, explica Verónica Emhart, subgerente de Genética e Biotecnologia da Forestal Mininco da CMPC.
Antes de sequenciar, porém, tiveram que obter uma amostra com o material genético ideal. Testaram com o fruto, o pinhão. “Pensávamos que era o material perfeito, mas não deu certo. Depois tentamos com as acículas (as folhas que picam), e também não. Até que aconteceu algo mágico. Jaime Espejo, da CMPC, escalou uma árvore com cordas e encontrou um broto epicórmico. Imagine um galho de dois metros concentrado em um broto de um centímetro pronto para crescer”, conta Hasbún. Esse foi o material usado, extraído de uma espécie em Villa Las Araucarias, na cordilheira de Nahuelbuta.
Três passos
“A publicação de um genoma de referência tem três partes: a sequenciação, o montagem e a anotação desse genoma”, explica Rodrigo Hasbún, diretor do Laboratório de Genética Vegetal da Universidade de Concepción, que liderou a parte científica deste projeto.
Hasbún explica de forma simples: “É como um grande livro em que as páginas voam e você tem que remontá-lo”. A sequenciação é recolher as folhas soltas, lê-las e escaneá-las. O segundo passo, o montagem, equivale a rearmar o livro para que faça sentido. E o terceiro passo, a anotação, é como numerar as páginas desse livro, criar um índice e deixá-lo disponível para que qualquer pessoa possa folheá-lo.
O trabalho de sequenciação foi contratado a especialistas da Universidade de Wisconsin (EUA), que possuem equipamentos de ponta e, principalmente, experiência nessa tarefa.
A chave da tecnologia de sequenciação moderna é que pode obter fragmentos iniciais de 15.000 bases, o que facilita o processo de montagem. “Antes, conseguiam-se fragmentos de 500 bases, como montar um quebra-cabeça com peças muito menores e mais numerosas, levando muito mais tempo. Sequenciar o genoma humano levou 13 anos e agora pode ser feito em um dia”, esclarece o cientista da Universidade de Concepción.
Continuando com a analogia do livro, na sequenciação da araucária já conseguiram construir um livro que atualmente tem 91 mil capítulos ou partes. “Ao montá-las, podemos determinar os cromossomos. Estimamos que na araucária encontraremos 12 pares de cromossomos, e cada um pode ter cerca de 2 bilhões de bases”, explica Hasbún.
“A araucária possui um megagenoma, ou seja, um genoma extremamente grande, 8 vezes maior que o humano”, destaca Tomás Matus, pesquisador chileno do Instituto de Biologia Integrativa de Sistemas em Valência (Espanha), especializado em criar recursos genômicos para espécies vegetais e que também participou deste projeto.
Isso acontece porque a araucária pertence ao grupo das coníferas. “São organismos muito antigos, verdadeiros fósseis vivos que estiveram na Terra por muito tempo e coexistiram com os dinossauros. Seu genoma sofreu muitas mudanças e tornou-se cada vez mais complexo”, explica Hasbún. A equipe liderada por Matus continua trabalhando na montagem das sequências deste grande quebra-cabeça, bem como na anotação dos genes contidos neste genoma.
Além disso, sua equipe foi responsável por fornecer o sistema de armazenamento da informação genômica da araucária e disponibilizá-la como uma base de dados de acesso público para a comunidade científica (no site h t t p : / / p l a n t a e v i z. t o m s b i o lab. com:8001/easy_gdb/).
“A informação do genoma e as ferramentas da genômica ajudam a entender a diversidade de indivíduos desta espécie com base em sua genética”, diz Matus, que acrescenta que programas de conservação podem tomar decisões baseadas nesses dados. Enquanto isso, conhecer a genética em nível molecular “pode contribuir para entender processos de desenvolvimento como reprodução, resistência às mudanças climáticas ou a pragas”.
“Este é um exemplo concreto em que uma empresa privada e universidades se unem para resolver um problema relacionado a uma espécie emblemática”, afirma Emhart. “Já aprendemos com o trabalho na araucária e agora podemos pensar em trabalhar com outras espécies ameaçadas, como o ruil ou o pitao”, acrescenta.
Fonte: edição assinatura deEl Mercurio