Aida Baldini, nova diretora da Conaf: “Tenho mais expertise em incêndios do que o diretor que saiu”
- A engenheira florestal da Universidade Austral foi designada pelo presidente Gabriel Boric para dirigir a Corporação Nacional Florestal após a saída de Christian Little, criticado pelo manejo durante a emergência dos incêndios florestais em 2 de fevereiro passado.o.
Em 11 de setembro, Aida Baldini recebeu uma ligação inesperada enquanto estava de férias com seus netos nos Estados Unidos: era o presidente Gabriel Boric. A chamada, diz ela, a deixou gelada por um momento, pois pensou que se tratava de assumir como diretora nacional do Serviço Nacional de Prevenção e Resposta a Desastres (Senapred), cargo para o qual havia se candidatado por concurso público. Mas a resposta seguinte a surpreendeu.
“Ele me pediu para dirigir a Corporação Nacional Florestal (Conaf), e isso foi como um bálsamo de calma para mim. Porque é minha casa, e tenho experiência no manejo de incêndios. Ele também me pediu para melhorar o sistema de comunicação durante a emergência, e é nisso que temos trabalhado”, afirma em conversa com La Tercera.
Baldini assumiu o cargo na última segunda-feira, 23 de setembro, substituindo o então diretor, Christian Little. A ex-militante do RN durante a emergência dos incêndios florestais de 2 de fevereiro de 2024 atuava como responsável pelo Fomento Florestal.
Por que você acha que era necessário uma mudança na direção, justamente às vésperas de uma nova temporada de incêndios?
Após a tragédia em Valparaíso, era necessário renovar alguns cargos, que as pessoas pudessem se expressar mais. E o próprio presidente da República, quando me ligou, disse: ‘Precisamos de você porque tem que ser alguém de dentro da Conaf e que também conheça o tema técnico’. Não tenho dúvidas de que há muitas pessoas com todas as competências técnicas, mas talvez tenham me escolhido por já ter 32 anos na Conaf e conhecer profundamente a dinâmica da corporação.
Após os incêndios de 2 de fevereiro, havia algo que estava falhando e precisava ser corrigido?
Tenho mais expertise em incêndios do que o diretor que saiu. Talvez tenha sido por isso. E também porque conheço muito a cultura da Conaf. Talvez fosse necessário renovar os ares — com pessoas experientes — mas era preciso impulsionar. E essa foi uma solicitação expressa do presidente, da ministra do Interior e do ministro da Agricultura: reforçar os incêndios. Muda a figura. Acredito que é a primeira vez que há um diretor executivo especialista em incêndios à frente da Conaf. O que não significa que eu não saiba de outras áreas, que são meu forte, como o manejo florestal.
O que foi feito de errado durante o incêndio de 2 de fevereiro?
Para mim, é muito difícil determinar o que foi feito de errado, porque o combate a incêndios é complexo. Estar dentro da Conaf, mas fora do programa de incêndios, não me permite visualizar o que falhou. No entanto, estamos realizando jornadas de lições aprendidas, com técnicos trabalhando nisso — inclusive, começou antes de eu assumir — e há aspectos que estão sendo reforçados. Por exemplo, dar ênfase a ferramentas tecnológicas, inteligência artificial, modelagem de incêndios e análise das condições ambientais. Com lições aprendidas e reforço nessas áreas, acredito que podemos nos sair muito melhor.
O que o presidente Boric pediu quando a designou como diretora?
Melhorar o sistema de comunicações durante a emergência. Por isso, vamos transformar o programa de proteção contra incêndios florestais em um sistema nacional de proteção. Isso é algo que o presidente, a ministra Tohá e o ministro Valenzuela já conversaram muito, e o que falta é uma integração mais forte entre todos os órgãos, públicos e privados.
A emergência em Valparaíso poderia ter sido evitada?
Não conheço os detalhes internos da resposta. Não tenho dúvidas de que as pessoas trabalharam com todas as suas capacidades e os recursos necessários foram mobilizados. Por isso, é difícil apontar onde houve falha. Também notei problemas de comunicação, mas não saberia dizer onde exatamente.
Que autocrítica você faz ao serviço durante a emergência?
O serviço está muito abalado porque não houve explicações sobre o que aconteceu após a emergência. As pessoas que trabalharam nisso estão psicologicamente afetadas, e não ter dado muitas explicações à imprensa sobre o que ocorreu, o que foi feito e os esforços, acredito que foi um erro.
E essa ferida afetou o funcionamento da Conaf hoje?
Pelo contrário. Essa tragagem deixou a sensibilidade à flor da pele, especialmente entre os profissionais de incêndios. Mas é um tema em que todos sabem que o mais importante são as vidas humanas.
Você prestou depoimento ao Ministério Público após a emergência?
Não. Eu não estava na estrutura de incêndios na época. Estava no fomento florestal, especificamente no manejo florestal.
Após a emergência, descobriu-se que um dos responsáveis era da Conaf. Como isso afetou o serviço?
Foi impactante. Obviamente repercutiu na contratação de pessoal. Os testes psicológicos para os candidatos agora são mais rigorosos, e muitas pessoas foram excluídas — mais do que gostaríamos. Não por traços piromaníacos ou ambição financeira, mas por falta de liderança. Os novos testes exigem mais habilidades, o que trouxe problemas no recrutamento. Mas sabemos que precisamos fazer um esforço maior para atrair jovens ao programa de incêndios como brigadistas.
O que falhou no processo de seleção?
É difícil. Nenhum processo é infalível. Foi doloroso porque era uma pessoa com várias temporadas na Conaf. Você tende a confiar mais em quem já trabalhou com você e retorna a cada temporada, o que é bom, mas não há métodos infalíveis nesses casos. O problema, pelo que vimos, não foi piromania, mas uma visão desmedida.
É necessário reformar o processo de seleção de funcionários? Como?
Há um painel de especialistas criado pelo ministro da Agricultura — após o caso do funcionário envolvido — que está projetando um novo método de seleção. Eles já emitiram o primeiro informe, definindo as características que os brigadistas devem ter. O painel inclui pessoas do serviço civil, da ACHS, da Universidade de Concepção, especialistas em ergonomia e até profissionais de incêndios de empresas florestais.
Você reconhece críticas à gestão do governo durante a emergência dos incêndios?
Não, porque não podemos esquecer como o orçamento aumentou. Os recursos para incêndios vêm crescendo conforme as demandas. Na última temporada, trabalhamos com US$ 147 bilhões. Em 2010, a Conaf tinha cerca de US$ 6,8 bilhões. A preocupação com incêndios florestais é de todos os governos, e este forneceu as ferramentas necessárias.
Apesar do aumento no orçamento, a emergência deixou 135 mortos e milhares de afetados em três comunas de Valparaíso. Isso não evidencia falhas?
Todas essas falhas que estão sendo analisadas — e a Conaf só faz as lições aprendidas sobre nossas ações — o mais básico é que todas as autoridades se integrem ao sistema de comando de incidentes. Com isso, resolveremos possíveis problemas de coordenação.
Seu nome não foi proposto pelo ministro. Vocês podem trabalhar bem?
Tive uma ótima recepção do ministro da Agricultura e da subsecretária. Cheguei com receios, mas, pelo contrário, eles me deram todo o espaço para trabalhar, o que me dá ainda mais responsabilidade.
Com sua nomeação, surgiram tweets antigos em que você apoiava insultos a Gabriel Boric, Camila Vallejo e Giorgio Jackson. Acha que isso pode prejudicar seu trabalho no serviço?
Serei franca: eu não fiz isso. Não posto conteúdo político nas minhas redes sociais. Para mim, não é estranho que isso possa ter sido uma brincadeira. Acho de mau gosto se expressar politicamente nas redes. O chefe de gabinete do ministro Valenzuela me avisou sobre esses prints; dei as explicações necessárias.
Fonte:La Tercera