Frane Zilic: "A madeira é o único material estrutural que permite a transição para a construção sustentável"
Num cenário em que o Chile precisa acelerar o cumprimento de seus compromissos ambientais, a construção em madeira por meio de métodos modernos surge como uma aposta importante para a indústria da construção, um dos setores produtivos que atualmente mais resíduos gera. De fato, a recente atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) 2025-2035 incluiu, pela primeira vez, a tarefa de elaborar uma Estratégia Nacional de Construção em Madeira. Isso, na opinião do arquiteto Frane Zilic, gerente do Programa Estratégico Regional Biobío Madeira, marca uma virada decisiva: já não se trata apenas de projetos isolados ou inovações de nicho, mas de um mandato de Estado.
A boa notícia chega justamente quando o programa estratégico Corfo que ele lidera na principal região florestal e madeireira do país, inicia seu terceiro ano de execução. A maré, explica Zilic, está começando a mudar, e o desafio será continuar avançando na coordenação de atores públicos e privados para transformar a maneira como se constrói no Chile.
–Hoje se fala muito em sustentabilidade, mas como isso se traduz na construção e na madeira em particular?
Vivemos num mundo altamente conectado, em que nossas decisões locais têm cada vez mais alcance e o mercado globalizado abre novos negócios na medida em que somos capazes de sintonizar com os requisitos internacionais. Nessa linha, o Chile tem tomado diversas ações que nos permitem mostrar-nos como um país confiável e responsável. Um exemplo é a promulgação da lei marco de mudança climática em 2022, que nos obriga a alcançar a neutralidade de carbono em 2050. Outro é a recente criação da Taxonomia de atividades ambientalmente sustentáveis, que fornece um marco de referência comum para atrair investimento verde internacional. E um terceiro antecedente é a atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) 2025-2035, que geram um compromisso sólido perante a comunidade internacional.
–Que relevância tem esta última atualização em relação à madeira?
Neste documento, pela primeira vez, menciona-se oficialmente a madeira como solução para os problemas ambientais da construção. Movemo-nos para a prescrição da solução em vez de deixar que o mercado aja livremente. Isso pode soar pouco atrativo, mas é necessário por uma falha de mercado.
–O senhor disse que a madeira é o único material estrutural que permite uma transição real para a construção sustentável. Por quê?
No papel, a madeira é renovável, reciclável, leve mas resistente, biodegradável, cresce com energia solar, é biocompatível e é uma fonte de armazenamento de energia. Em teoria, esses argumentos deveriam ser suficientes para superar amplamente a concorrência. Mas para que seja realmente sustentável tem que ser economicamente competitiva e adotável pelo mercado. Aí está o problema: a madeira tem um grande defeito, que é ser altamente versátil. Essa qualidade cria uma indústria volátil e distraída, que não investe o suficiente em normas, capacitação ou certificação para assegurar qualidade na construção, porque sempre pode recorrer a usos alternativos quando as vendas falham. Essa assimetria de foco em relação a outros materiais não lhe permite competir.
–O Estado deveria então regular mais diretamente neste assunto?
O ideal seria que definisse indicadores de desempenho e deixasse que o mercado atuasse livremente para encontrar o melhor material. Mas isso não funciona, porque deixa de fora o melhor material que temos disponível e além disso é mais lento. E não temos tempo a perder. Hoje o processo de construção gera 11% das emissões nacionais de carbono e 35% dos nossos resíduos. Se a isso somarmos indicadores negativos em aspectos sociais e econômicos, é evidente que a construção precisa de uma revisão profunda e rápida de seus processos e materiais.
–Como se insere neste contexto a Estratégia Nacional de Construção em Madeira?
É um compromisso muito importante. Temos dois anos para chegar a um acordo e não vai ser fácil, porque não pode ser uma estratégia isolada. Terá que dialogar com a Estratégia Nacional de Construção Sustentável do Minvu, com o Ministério da Agricultura para o fornecimento de matéria-prima, com o Ministério da Ciência para a pesquisa aplicada, com o Ministério da Educação para a formação de capital humano, com o MOP para a articulação da demanda, além de governos regionais, municípios, universidades, SERVIU, setor privado, sociedade civil, a banca e muitos outros atores.
–O que significa que a Estratégia Nacional de Construção em Madeira tenha sido incluída na atualização da NDC 2025-2035?
É um passo histórico. Os compromissos foram estabelecidos desde o Ministério do Meio Ambiente, o que significa que as vantagens da construção em madeira estão sendo compreendidas em diversos círculos de tomada de decisão. O que a NDC consegue é mostrar que a construção em madeira não é apenas uma questão de design ou de inovação pontual, mas um compromisso de Estado que busca transformar a maneira como construímos no Chile. A madeira não só se apresenta como meio para alcançar uma construção mais sustentável, mas também se entende como uma ferramenta para que o Estado, através de seu poder de compra, impulsione o desenvolvimento local. Isso vai requerer articular instrumentos normativos, tecnológicos e produtivos que nos permitam chegar a 2035 com indicadores claros de participação da madeira em obras públicas e privadas.
–Quando se fala de construção sustentável, refere-se necessariamente à construção em madeira?
Não necessariamente, mas hoje a madeira é o único material disponível que permite uma transição que abranja simultaneamente o econômico, o social e o ambiental. Não é que outros materiais não sejam valiosos, mas nenhum oferece a capacidade de impulsionar uma cadeia produtiva completa, de gerar inovação e de contribuir para a neutralidade de carbono ao mesmo tempo.
Um grande passo para o Biobío
–Que papel desempenha a Região do Biobío neste processo?
A região é a capital florestal e madeireira do país e temos estado trabalhando na construção de um ecossistema produtivo sustentável com base neste recurso. O Programa Estratégico Biobío Madeira tem conseguido articular empresas, sindicatos, universidades, PMEs e setor público. A Corfo Biobío tem impulsado projetos que vão desde manuais de produtividade até protótipos de habitação social em madeira, como o da Universidade de Concepción. Isso tem permitido avançar na criação das confianças necessárias para levar a indústria regional a desafios mais complexos.
–Um exemplo dessa articulação foi o convênio entre a Corfo e o Serviu em San Pedro de la Paz. O que se busca com a construção desse piloto?
Mais do que provar as habitações em si, o que se quer pilotar é a capacidade de PMEs locais para fabricar e montar componentes padronizados num processo industrializado. É passar da teoria à prática: essas casas serão habitadas por famílias reais, e ao mesmo tempo fornecerão evidência necessária para transformar a indústria. O que o piloto abre é a possibilidade de que a habitação social seja construída em menos tempo, com melhores padrões, com menor impacto ambiental, num ecossistema competitivo que assegure a participação das PMEs.
–Como isso muda o horizonte das PMEs regionais?
Abre-lhes uma porta enorme. Até agora, a indústria estava muito concentrada em grandes atores. Com este novo modelo que estamos pilotando, as PMEs podem produzir em série, reduzir custos e ganhar competitividade. No fundo, democratiza-se a possibilidade de participar num mercado que antes parecia fechado.
–O senhor fala numa mudança de paradigma. Onde se joga essa transformação de fundo?
Em que com este novo processo usa-se o poder de compra do Estado para influenciar o desenvolvimento sustentável do território. Isso implica compreender novos padrões de sustentabilidade, e empurrar com indicadores claros que não restrinjam a inovação e competitividade do setor privado. Para lograr isso precisa-se de coordenação entre ministérios, serviços públicos, universidades, empresas, sindicatos e a sociedade civil.
Fonte:Sabes