A lição de uma sentença
Por Carlos Peña
Nestes dias em que se desacredita o Poder Judiciário, há fatos que reavivam a confiança nele.
Um deles é a sentença de primeira instância (claro, pode ser modificada, mas isso não diminui sua importância simbólica) que ordena ao Estado indenizar os proprietários do antigo Fuente Alemana. Como se recorda, esse estabelecimento foi vandalizado repetidamente em outubro de 19 e nos meses seguintes, com tal regularidade que parecia um trâmite.
E a justiça de primeira instância acaba de responsabilizar o Estado.
Mas — dir-se-á — não foram os responsáveis aqueles que protestavam semanalmente, aqueles cuja conduta fez com que esse negócio e outros nas proximidades fossem obrigados a se defender com força ou a fechar? É verdade. Mas pode-se ser responsável por ação (este é o caso daqueles que apedrejavam, incendiavam, cuspiam e pichavam) ou por omissão. Isso último ocorre quando não se faz o que deveria ser feito, quando se omite o cumprimento de um dever e, como consequência, ocorre um dano.
E acontece — costuma-se esquecer e esta sentença nos lembra — que o Estado tem o dever de evitar que a força ou a violência dominem a vida social. E para isso, paradoxalmente, dispõe do monopólio da força, o qual não pode aceitar que lhe seja, nem mesmo por momentos, arrebatado. Se o Estado omite cumprir esse dever, se em vez de impedir que a força seja exercida na vida social a tolera ou, na prática, a permite, se deixa os cidadãos sozinhos e os condena a se defender com as próprias mãos ou a se resignar à coação que outro exerce sobre ele, então o Estado é o responsável pelo que, como consequência de sua inação ou incapacidade, venha a ocorrer. As sociedades inventaram o Estado na forma como hoje o conhecemos (não é tão antigo, como prova o fato de a palavra que o designa aparecer pela primeira vez em Maquiavel, *lo stato*) para evitar que o medo do outro inundasse a vida social. Por isso, se o Estado se resigna a que os particulares empreguem a força, então abdica da função específica que lhe corresponde e perde toda a sua legitimidade.
Por isso, esta decisão que responsabiliza o Estado pelo que aconteceu com aquele estabelecimento em outubro e nos meses seguintes é uma grande lição que recorda do que se trata o Estado. O Estado pode falhar em suas funções distributivas e até pode ser ineficiente em alguns serviços, mas o que não pode acontecer é que deixe de ser o que é. E o que ele é depende da capacidade que tem de monopolizar a força, que é, como lembra Weber, seu meio específico.
A lição deste acórdão (há outros que estabelecem a responsabilidade do Estado, claro, mas este é paradigmático pelos fatos que o motivam) possui uma ampla repercussão e ensina que o que ocorre em zonas de La Araucanía, ou nos bairros periféricos de Santiago, ou nos colégios emblemáticos, e que prejudica agricultores ou empresas, moradores ou estudantes, deveria acarretar, bem analisado, a responsabilidade estatal.
E não apenas política.
E é que o Estado não existe para explicar sociológica ou politicamente a origem da violência, nem para condená-la moralmente, nem para que suas autoridades exercitem sua loquacidade nos noticiários cada vez que a violência é constatada. Existe para espantá-la da vida social, por meio de monopolizá-la e, se necessário, exercê-la homeopaticamente.
