Sebastián Naveillán e sua conclusão sobre a Comissão pela Paz: “Havia uma linha vermelha que não estava disposto a cruzar”
Sebastián Naveillán, presidente da Associação de Agricultores de Malleco e ex-comissário da Comissão pela Paz e Entendimento, apresentou sua visão crítica sobre o processo e as razões que o levaram a não endossar o relatório final da instância em Conversando com a Acoforag.
Naveillán iniciou sua intervenção destacando uma diferença fundamental entre esta comissão e experiências anteriores: o apoio transversal dos partidos políticos no momento de sua criação. “Acredito que a principal diferença é que, de fato, começou com um apoio transversal dos partidos políticos, porque havia um bom coração inicial para avançar neste tema”, explicou.
Na opinião do líder sindical, esse respaldo político inicial criou um contexto que facilitou uma participação mais ativa do setor civil e privado. “Esse apoio transversal nos permitiu embarcar no projeto desde o setor privado, não apenas como observadores, mas como atores que participamos ativamente. Na Comissão Vargas também havia representantes do setor privado, mas desta vez a representação foi mais direta, com pessoas como Alfredo Moreno e eu, que viemos desse mundo”, acrescentou.
Cortar a compra de terras
No entanto, após 21 meses de trabalho e múltiplas sessões, Naveillán optou por não aprovar o relatório final. A razão principal, segundo ele, foi a inclusão de um parágrafo de última hora que propunha que o novo sistema de reparação contemplasse cerca de 200 mil hectares para disponibilizar em favor de comunidades indígenas. “Para mim, esse ponto era uma linha vermelha. Sempre fui claro desde o início: aqui é preciso cortar a compra de terras. Entendo que, enquanto a atual lei indígena não for reformada, essa prática deve continuar, mas não podia aceitar que o novo sistema perpetuasse essa lógica”, afirmou com firmeza.
O líder reconheceu que o trabalho dentro da comissão envolveu negociações complexas, muitas vezes intensas, e que, embora houvesse avanços em certos temas, em outros não se alcançou consenso. “Negociamos muito, com muita intensidade. O parágrafo foi modificado, mudaram sinônimos, mas o sentido continuava o mesmo. E eu sabia qual era a intenção por trás disso”, sustentou.
Questionado sobre se esse foi o único ponto de discordância, Naveillán foi claro: não. Ele também expressou preocupação com a ambiguidade do texto final, o que — segundo ele — pode dar margem a interpretações que gerem novos conflitos, como ocorreu com a atual Lei Indígena. “Não queria cometer os mesmos erros. A ambiguidade nos trouxe problemas por 30 anos. Precisamos de normas claras, que não deixem espaço para duplas interpretações”, destacou.
Outro tema que lhe causou ressalvas foi o reconhecimento constitucional dos povos indígenas e a possibilidade de estabelecer autogoverno para as comunidades. “Concordo muito em dar mais liberdade para que as comunidades possam se desenvolver, inclusive com fins comerciais. Mas não em conceder autogoverno ou reconhecer direitos coletivos na Constituição. São temas que já foram votados e rejeitados democraticamente. Me incomodava que insistissem nisso novamente”, alertou.
Processo no seu limite
Sobre o ambiente dentro da comissão e a possibilidade de estender os prazos para alcançar um consenso, Naveillán mostrou-se cético. “Acredito que o processo chegou ao seu limite. Foi uma negociação de quase dois anos, e emocional e psicologicamente isso desgasta. Em algum momento, o chiclete não estica mais. As posições estavam claras, e eu não via condições reais para prolongar o trabalho da comissão”, concluiu.
Apesar das diferenças que o levaram a se distanciar do relatório final, Sebastián Naveillán valorizou a experiência e o esforço dos diversos atores que participaram do processo. “Havia vontade de muitos em construir algo melhor, e isso precisa ser reconhecido. Mas também é preciso ser coerente com os princípios que se defende”, finalizou.
A entrevista completa está no canal do Youtube da Acoforag: