Estado de exceção na Macrozona Sul: resposta efetiva ou escapismo político diante do conflito?
As votações parlamentares desta terça-feira renovaram o estado de exceção constitucional na Macrozona Sul, mantendo uma medida que já completa três anos e que, por vezes, tem gerado debates sobre sua eficácia e o risco de perpetuar um instrumento projetado para situações pontuais.
A decisão foi aprovada pela Câmara dos Deputados por 105 votos a favor, 24 contra e 11 abstenções. Já o Senado a respaldou com 36 votos a favor, um contra, zero abstenções e quatro pareamentos.
No caso da Macrozona Sul, a implementação do estado de exceção constitucional "está relacionada ao aumento, na última década, de confrontos que envolvem episódios de violência rural ou atos de caráter terrorista; e também por crimes conexos, como o roubo de madeira, o narcotráfico e o crime organizado, associados a certas atividades criminosas", explicou Jorge Cordero, pesquisador do Núcleo de Humanidades e Ciências Sociais (Faro UDD) da Universidad del Desarrollo.
Além disso, ele explicou que, com o passar do tempo, é plausível afirmar que algumas dessas atividades não estão necessariamente relacionadas ao conflito indígena, mas sim a atividades criminosas que surgiram devido às dificuldades do Estado em garantir algum tipo de ordem na região.
"É importante lembrar que onde há um recuo do Estado, qualquer tipo de atividade criminosa pode ganhar força. Se essa realidade se combinar com a radicalização de grupos específicos, como a Coordenadora Arauco Malleco (CAM) ou outros tipos de organizações, cria-se um cenário propício para os piores episódios", afirmou Cordero.
O QUE IMPLICA O ESTADO DE EXCEÇÃO?
Cordero explicou que implementar essa medida envolve vários nuances; alguns positivos, como a redução de ataques na região, ao permitir um desdobramento mais ativo em termos de segurança, e outros talvez não tão positivos, como, por exemplo, um desgaste permanente para as forças armadas, que devem atuar sob essa condição quando seu papel está voltado para outras funções.
Sobre o motivo de se manter a decisão de renovar o estado de exceção constitucional, ele explicou que era um instrumento que "em seu momento teve muito apoio popular e respaldo político das regiões afetadas, com justa razão. Não esqueçamos que, inclusive, foi realizado uma espécie de 'plebiscito popular' pelo questionado ex-governador da Araucanía, quando os parlamentares do governo não estavam a favor", disse Cordero.
Além disso, ele lembrou que o apoio da população era tanto que foi usado como um mecanismo de pressão política, o que, em sua opinião, "está errado". No entanto, ele afirma que "foi razoável diante de uma situação claramente descontrolada".
Da mesma forma, ele acrescentou que há o risco de que "os políticos se acomodem a essa situação, de modo a evitar a discussão profunda sobre que tipo de estratégia seria adequada em termos de segurança e como abordar o debate sobre políticas públicas para o povo mapuche, que —acredito— ajudarão a legitimar a ação do Estado. Isso é fundamental se quisermos mitigar a ação, com o maior dos êxitos, dos grupos que cometem os ataques", afirmou o especialista.
Por outro lado, ele considera que estender o estado de exceção é uma forma fácil de o governo, políticos e o Estado prestarem contas à população sem muito esforço, delegando a responsabilidade do problema a uma instituição que não cabe totalmente evitar os ataques na região, como os militares. "Uma 'lógica' de resolver problemas complexos por meio de instrumentos que são de última ratio, sem pensar também no que poderia ser feito depois", acrescentou Cordero.
Além disso, ele destacou que —dada a dinâmica de eternizar esse mecanismo— "é plausível pensar que alguns talvez se acostumaram a votar a favor e não buscar outra vertente do problema que ajude a controlar a segurança na região. Nem sequer se quis tocar nos outros aspectos do conflito indígena, como discutir propositivamente as recomendações da Comissão pela Paz e Entendimento, cruciais se quisermos dar maior legitimidade ao Estado e deslegitimar as organizações radicais".
POTENCIAIS SOLUÇÕES
Nesse contexto, o profissional afirmou que seria possível continuar postergando o estado de exceção, mas com a ideia de formular uma estratégia de segurança que permita deixar de usá-lo.
Ele também considerou fundamental "apoiar as propostas da Comissão Paz e Entendimento ou, pelo menos, discuti-las seriamente. Avançar com medidas que permitam resolver o problema de fundo com os povos indígenas é condição necessária para deslegitimar de uma vez por todas a posição extrema de certas organizações radicais e dar maior legitimidade ao Estado para garantir a ordem", acrescentou Cordero.
Além disso, ele explicou que a situação atual e os níveis de radicalização surgiram progressivamente ao longo do tempo.
A esse respeito, "o que era a CAM em 98 é radicalmente diferente de como opera hoje em termos de níveis de violência e tipo de ataques. Não é de surpreender que seu principal líder, Héctor Llaitul, hoje na prisão, tenha se manifestado contra a comissão. Nosso país há muito adia essas medidas, e essa postergação é útil para as organizações que só acreditam na violência, pois alimenta seu discurso e, com isso, o irredentismo", concluiu o pesquisador do Faro UDD.
Fonte:La Tribuna