Um golpe no coração da Terra do Fogo: O fechamento da Forestal Russfin
O recente e abrupto anúncio do fechamento da Forestal Russfin, uma empresa que operou na Província da Terra do Fogo desde 1991 sob o amparo da Lei Navarino, provocou um verdadeiro terremoto na Região de Magalhães. A notícia não só significa a perda de uma das indústrias mais importantes do território fueguino, como também abriu um profundo debate sobre a eficácia das políticas de fomento e desenvolvimento nas zonas extremas do país. A cessação das operações da companhia, localizada nas proximidades da comuna de Timaukel, não é apenas um revés econômico, mas também um símbolo das complexidades e desafios enfrentados por aqueles que tentam prosperar nas remotas geografias chilenas.
A Forestal Russfin não era uma empresa qualquer. Fundada há mais de três décadas, consolidou-se como um ator-chave no ecossistema produtivo da Terra do Fogo. Com uma trajetória descrita como "impecável" por diversos atores, a empresa chegou a empregar mais de 100 pessoas diretamente, sendo um motor da economia local em uma das zonas mais isoladas do país. Seu papel estratégico no abastecimento de madeira processada para a indústria da construção nacional lhe conferiu uma relevância que ia além das fronteiras regionais. Sua operação não só gerava empregos, mas também era crucial para a cadeia de suprimentos de um insumo fundamental para o desenvolvimento do país.
O presidente da Associação de Pecuaristas de Magalhães (Asogama), Gerardo Otzen, resumiu assim: "A Forestal Russfin foi uma empresa de capitais do norte que acreditou em Magalhães e investiu uma grande quantia de dinheiro para ter esta indústria, que era um exemplo para o setor silvoagropecuário". Otzen destacou o compromisso da empresa, sua preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e sua visão de transformar Timaukel em um polo de desenvolvimento.
AS CAUSAS DE UMA DECISÃO INEVITÁVEL
Segundo a carta enviada pela própria empresa a seus fornecedores, o fechamento se deve a uma tempestade perfeita de fatores que tornaram a operação insustentável. A empresa revelou que acumulava quatro anos consecutivos de prejuízos, uma situação que se tornou insuportável. As principais razões que forçaram essa decisão foram:
- Baixa demanda de produtos: O mercado nacional, principal destino de sua produção, não conseguiu sustentar os níveis necessários para manter a rentabilidade da empresa.
- Aumento sustentado nos custos de produção: O encarecimento dos insumos e da energia minou a viabilidade econômica da operação.
- Problemas logísticos: A distância de suas operações, a centenas de quilômetros dos principais centros urbanos e portos, elevou os custos de transporte e distribuição, um fator crítico em uma região com infraestrutura limitada.
"Infelizmente, não é viável sustentar essas perdas e não visualizamos possibilidades de reverter esses resultados", afirmaram na carta, evidenciando a dura realidade enfrentada pela empresa.
O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO NA COMUNIDADE DE TIMAUKEL
A notícia atinge em cheio a comunidade fueguina. A secretária regional ministerial (seremi) da Economia, Marlene España, confirmou que o fechamento deixará mais de uma centena de pessoas sem trabalho, a maioria delas provenientes de Porvenir e Timaukel. A perda desses empregos não é apenas um número, mas representa o desamparo de famílias inteiras em uma região com oportunidades limitadas de emprego.
O prefeito de Timaukel, Luis Barría, expressou com amargura o sentimento de sua comuna: "É triste ver como a única empresa industrial com Lei Navarino de Timaukel tem que fechar...". O edil não só lamentou a perda de empregos diretos, mas também destacou o efeito dominó nos contratos com transportadores, a compra de matéria-prima e, especialmente, o fechamento do único posto de combustível no sul da Terra do Fogo, um serviço vital para residentes, pecuaristas e turistas em uma zona de vastas distâncias.
O conselheiro regional Rodolfo Cárdenas também alertou sobre o "efeito direto sobre trabalhadores e empresas prestadoras de serviços locais", enfatizando que esse fechamento não só afeta os funcionários da Russfin, mas todo o ecossistema econômico que girava em torno dela.
Gerardo Otzen, da Asogama, acrescentou a esse cenário as externalidades positivas que a empresa deixará de fornecer. "A Forestal Russfin... oferecia um valioso apoio logístico ao setor pecuário e turístico. Prestava serviços de hospedagem, alimentação, venda de combustível e reparo de pneus em uma zona isolada, onde esses serviços não existem em um raio de pelo menos 180 quilômetros".
CRÍTICAS À PASSIVIDADE GOVERNAMENTAL E ÀS POLÍTICAS DE FOMENTO
O fechamento da Russfin foi um catalisador para que diversos atores levantassem a voz e questionassem a gestão das autoridades e a eficácia das ferramentas de fomento atuais.
O prefeito Barría, que presenciou a inauguração da empresa em 1992, foi especialmente crítico ao governo, afirmando que a empresa sofreu atrasos nos pagamentos da Lei Navarino e foi alvo de "fiscalizações duras" por parte da SEC e da Direção do Trabalho. "Parece que o governo não se importa com o fechamento de uma fonte de trabalho", declarou. Além disso, lamentou que a Lei Navarino, que não beneficia os pecuaristas, "não foi nem melhorada nem prorrogada neste governo".
Do setor produtivo, o descontentamento é evidente. O presidente da Câmara Chilena da Construção em Magalhães (CChC), Cristóbal Bascuñán, classificou o fechamento como um "péssimo sinal" e um lembrete da "necessidade urgente de revisar os instrumentos de investimento em zonas extremas", pedindo sua modernização. O líder da CPC Magalhães, Mario Elgueta, concordou que o caso da Russfin "reflete uma realidade que não pode ser ignorada: instalar-se e operar em zonas tão extremas implica custos enormes, e sem instrumentos eficazes e atualizados, a permanência de empresas como essa se torna inviável".
O presidente da Multigremial Magalhães, Jaime Jelincic, ofereceu uma perspectiva mais ampla e preocupante. Relacionou o fechamento da madeireira com outros eventos econômicos, como o encerramento da Mina Inverno e a queda na produção de salmão. "A verdade é que deveríamos reavaliar o que está acontecendo. Ou seja, não é um tema menor. (...) A região não está sendo um lugar atrativo para desenvolver indústria", afirmou.
Jelincic questionou a passividade das autoridades governamentais e parlamentares, tanto da situação quanto da oposição, e criticou a falta de uma visão de longo prazo para o desenvolvimento regional. "Não temos uma linha de investimentos importantes para fomentar o investimento privado em conjunto com o investimento público para melhorar setores da economia. A verdade é que isso está, na minha opinião, muito mais na esfera administrativa do que na geração de espaços de investimento", disse.
UM CHAMADO À AÇÃO E À BUSCA DE SOLUÇÕES
Apesar do golpe, medidas estão sendo tomadas para mitigar o impacto imediato. A seremi do Trabalho, Jéssica Bengoa, anunciou a formação de uma mesa interinstitucional para abordar a situação dos trabalhadores. Nessa mesa, participarão atores-chave como a CPC, a Câmara Franca, Omil e Sence, com o objetivo de coordenar um plano de reconversão laboral para os funcionários demitidos.
Por sua vez, a seremi da Economia, Marlene España, defendeu o trabalho da Mesa de Diversificação Produtiva, embora reconhecesse que seu foco não está no setor florestal. Ela afirmou que o plano do Governo Regional é de longo prazo e se concentra na formalização de sindicatos e no fortalecimento do ecossistema empresarial, com foco na salmonicultura, energia e turismo.
No entanto, para muitos, a resposta das autoridades é vista como insuficiente. O conselheiro Cárdenas pediu para "acelerar a execução de projetos paralisados ou com atrasos significativos", como a construção da nova Costanera de Porvenir, para gerar emprego e dinamizar a economia local. Também pressionou pela execução dos programas de apoio às PMEs do Sercotec, que sofreram atrasos. "Precisamos de medidas reativas agora", enfatizou.
Jaime Jelincic resumiu o sentimento de muitos magalhânicos ao afirmar que o fechamento da Russfin é um sinal lamentável que demonstra que "a região não está gerando espaços maiores de crescimento e desenvolvimento de áreas de atividade econômica". Ele fez um chamado para um planejamento de longo prazo, de 12 a 15 anos, com um projeto de desenvolvimento que "nos una" a todos os magalhânicos. O líder concluiu sua análise com um dado preocupante: a taxa de mortalidade das PMEs em Magalhães é de 35% em três anos, mais alta que no resto do país, o que sublinha a fragilidade do ecossistema empresarial regional.
O fechamento da Forestal Russfin é mais que uma notícia empresarial; é um sintoma de uma doença mais profunda nas zonas extremas do Chile. É um alerta que exige uma revisão urgente das políticas de desenvolvimento territorial e uma reflexão sobre se o país está disposto a criar condições para que o investimento, o talento e as oportunidades não continuem se perdendo na distante, mas estratégica, Região de Magalhães.
Fonte:El Pingüino