“Cerca de 17% das araucárias presentes no Chile estão no Biobío”: especialista em Ciências Florestais
A recente controvérsia em torno de um projeto viário na Araucanía voltou a colocar no centro do debate nacional um dos emblemas naturais mais antigos e sagrados do sul do Chile: a Araucaria araucana.
A autorização inicial para o corte de 96 exemplares, como parte das obras na rota Icalma-Melipeuco e Liucura-Icalma, gerou rejeição generalizada, especialmente por parte de comunidades indígenas e setores acadêmicos, o que levou o governo a descartar qualquer intervenção nessas árvores milenares.
“Descartamos que qualquer tipo de araucária seja tocada. Isso não vai acontecer, não serão cortadas, transplantadas ou intervencionadas de forma alguma”, afirmou o Seremi de Obras Públicas da Araucanía, Patricio Poza, numa tentativa de acalmar os ânimos após o vazamento das resoluções 594 e 595, emitidas pela Corporação Nacional Florestal (Conaf), que haviam autorizado o corte.
Embora o epicentro do conflito esteja na Região da Araucanía, na Região do Biobío, particularmente em setores como Alto Biobío, a Cordilheira de Nahuelbuta e algumas zonas costeiras como Santa Juana e Nacimiento, a situação acendeu alertas sobre o estado de conservação dessa espécie em nível regional.
Um símbolo espiritual e ecológico
Para as comunidades mapuche-pehuenche, a araucária, ou pewen, é mais que uma árvore: é um pilar da identidade cultural. “Como território pewenche de Lonquimay, não aceitamos o corte do pewen, que tem sido nosso sustento espiritual, alimentar, cultural e econômico desde nossos ancestrais até hoje. Consideramos que esta resolução é uma violenta agressão à nossa espiritualidade e ao nosso povo mapuche”, declararam em um comunicado.
Essa dimensão espiritual coexiste com seu valor ecológico e científico. Rodrigo Hasbún Zaror, acadêmico da Faculdade de Ciências Florestais da Universidade de Concepción, explica que a Araucaria araucana “é uma das coníferas mais antigas do mundo, endêmica do Chile e da Argentina, e pode viver mais de mil anos. Sua semente, o pinhão, tem um altíssimo valor ecológico e cultural. Cerca de 17% das araucárias presentes no Chile estão na Região do Biobío”.
Além disso, o acadêmico lembra que a espécie está classificada como “Em Perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o que obriga as autoridades a redobrar os cuidados.
Biobío: o limite norte do pewen
Embora grande parte da atenção tenha se concentrado nas florestas andinas do sul, o Biobío não está alheio à realidade da araucária. Cristian Echeverría, diretor do Projeto Campus Natureza da Universidade de Concepción, alerta que as ameaças variam conforme o setor: “No litoral, seu risco de extinção é maior do que nos Andes, devido à expansão urbana, ao desmatamento e à perda de habitat. Em muitos casos, essas populações costeiras não estão protegidas dentro do sistema nacional de áreas silvestres”.
Echeverría ressalta que, no Biobío, as populações estão tanto na Cordilheira dos Andes, como Alto Biobío, quanto em zonas costeiras, onde sua presença é mais escassa e vulnerável. “A Região do Biobío representa o limite norte de distribuição dessa espécie no Chile”, afirma.
“No Chile, as Araucárias chegam até o Parque Laja, então a população desse exemplar na Região do Biobío é bastante reduzida”, acrescentou.
Preservar o irrecuperável
A Dra. Ángela Bustos, especialista em ecossistemas florestais, apresenta um dado impressionante: uma araucária pode levar mais de um milênio para atingir seu pleno desenvolvimento. “Cresce entre 1 a 1,8 centímetros por ano. É mais lento até do que o alerce. Por isso, sua conservação e restauração não podem ser uma opção, mas sim uma prioridade”.
Bustos destaca também sua resistência ao fogo, uma característica que lhe permitiu persistir na paisagem andina durante séculos. “Essa resistência favoreceu sua regeneração natural, mas não basta deixá-la sobreviver: é preciso proteger ativamente seu habitat”.
Fonte: Diario Concepción